Se arrependimento matasse, só hoje, eu teria morrido cem vidas....
Deve ser assim que se sente uma pessoa que lutou a vida toda para construir uma casa, criar uma plantação, e de repente um tufão passa por cima e deixa tudo em pedaços. Pedaços que são tão pequenos que podem ser pisados.
Porque o que sobra é resto...
O que um dia foi um todo... o que um dia foi um plano... o que um dia foi importante... vê-se que não valeu nada.
Há uma poesia magnífica de Fernando Pessoa que exprime perfeitamente o que penso.
Leia por favor:
APONTAMENTO
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível?
Sei lá!Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra?
A minha alma principal?
A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos, 1929
Talvez, em alguns dias, eu pare de emanar pensamentos indignos de serem escritos aqui.
E com certeza a casa que foi destruída será refeita e desta vez será um castelo, mas por enquanto, o meu único pedido é por justiça divina...