segunda-feira, abril 17, 2006

Quando Nietzsche não chorou

Horas de leitura intensa, outras tantas de profundo questionamento e por fim, mais algumas de lágrimas nos olhos. Este foi o meu percurso ao ler o magnífico best-seller "Quando Nietzsche Chorou" do psiquiatra Irvin D. Yalom
Meses depois, para a minha surpresa e alegria, vi que entrava em cartaz no Teatro Imprensa uma adaptação do texto tendo Cássio Scapin como Nietzsche e Nelson Baskerville como Dr. Breuer, além das participações especiais em vídeo de Ana Paula Arósio, Lígia Cortez e Flávio Tolezani.
De fato o diretor Ulisses Cohn foi audaz em tentar levar aos palcos um texto com tamanha profundidade que retrata todo um mundo interno de dois personagens nada simples. Foi com muita curiosidade e empolgação que fui assistir à peça, mas me arrependi.
Por mais que me incomode fazer uma crítica contundente à atores que respeito tanto, é preciso deixar de lado a admiração para falar do que realmente se passa naquelas duas horas de peça.
Sentados em poltronas completamente desconfortáveis, do tipo de saguão de aeroporto, qualquer peça já se tornaria fisicamente desconfortável. Mas esse é apenas o primeiro desconforto. Abrem-se as cortinas e vemos uma palco completamente branco, com móveis quase totalmente modernos e uma iluminação mais clara do que seria necessário.
O texto se passa em cômodos escuros e em salas com lareiras. As palavras são pesadas e um palco daqueles não traz nenhuma sensação de obscuridade que podemos sentir no livro. É claro que no fundo do palco, devido ao uso de recursos de vídeo, era necessário o uso de um pano branco, mas o cenário tem três paredes e poderia ter clareado apenas uma.
Durante um dos momentos mais intensos do roteiro, cena onde Nietzsche passa muito mal e pede ajuda ao Dr. Breuer, a peça coloca uma música tão alta, que ninguém consegue realmente ouvir o que Cassio Scapin tenta tão bravamente dizer.
Aliás, vamos à atuação deste ator que eu admiro há anos. Não entendo exatamente o que ele tentou fazer com o personagem Nietzsche...Um homem que não gostava de falar, não se socializava facilmente e, pelo que vemos no livro, não usaria o tom sarcástico nos momentos cruciais da discussão.
Não vi um Nietzsche profundamente triste e desiludido, não vi um homem brilhante e doente. Vi um homem argumentativo, que tossia de vez em quando e que era sarcástico, fazendo com que a platéia, acredite ou não, desse boas risadas.
Risadas?
Várias, inclusive.
São tantas as críticas que tenho a fazer à peça que me desanimo a continuar. Foi uma grande desilusão. As personagens femininas nem se aproximam das grandes mulheres do livro. A mania de colocar a Ana Paula Arósio em papéis de época já passou do ponto.
A lenta ligação entre os dois reticentes personagens, Nietzsche e Breuer, nem é percebida porque já começa com altos bate papos.
É uma peça de teatro, obviamente tem suas limitações. É uma adaptação e o diretor tem o direito de fazer o que quiser com o texto que aliás, é sobre assuntos e relações muito profundas, ficando difícil retratar tudo em apenas duas horas. Mas sinto que é uma adaptação ruim.
Mas é possível ser mais fiel.
Um pouco mais de silêncio em algumas cenas.
Um pouco mais de olhares de perturbação interna.
Menos sarcasmo e, com certeza, outro cenário fariam da peça uma obra muito mais verdadeira.
Confesso que um colega que assistiu comigo e não leu o livro, saiu da peça admirado dizendo que gostou. Comentou que se fosse mais intenso e não tivesse rido algumas vezes, teria sido pesado demais.
Mas eu discordo.
Quem vai à peça adaptada de um livro, tem que saber que tipo de assunto se trata. Se quiser rir vá assistir uma comédia. Ou então assista à peça de Samir Yazbek, "O Fingidor" que fala de Fernando Pessoa.
Essa sim é uma peça digna de sentimento, onde rir e chorar se combinam nas emoções do poeta. Uma belíssima idéia, muito bem realizada, com atores impecáveis.


O escritor e psiquiatra Irvin D. Yalom já possui outros livros traduzidos para o português como "A Cura de Schopenhauer".

3 Comments:

Blogger Stefano said...

Puxa, procurei alguma crítica da peça, pois irei assisti-la amanhã, e me deparei em primeiro lugar com a sua. Apenas havia lido sobre o desconforto do teatro imprensa, coisa que já me deixou receoso. Depois de ler sua crítica, só não vou chorar antes pq não li o livro e estarei muito bem acompanhado.
Depois volto aqui pra dizer o que achei. Ah, a idéia de ver a peça foi baseada em ver antes de ler, já que sempre me disseram que a leitura de Nietzsche é bastante pesada, e que deve se acostumar antes de lê-lo.
Parabéns pelo blog.

4:01 da tarde  
Blogger Stefano said...

Marina, acabei de ver a peça.
Eu gostei. É claro que, depois de ler sua resenha, algumas coisas já foram fincadas na minha cabeça, como os móveis muito atuais, o sarcasmo de Nietzsche, o ambiente claro, o início da terapia já com altos papos... enfim.

Mas eu curti. Talvez pq não tenho os critérios de quem tenha lido o livro, admito. Por outro lado, fui com uma pessoa que leu o livro e gostou tb, dos atores e da adaptação. Algumas passagens da peça foram excelentes, principalmente na rigidez de Nietzsche confrontando o Breuer sobre os próprios sentimentos e a relação paciente-médico.

9:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nice colors. Keep up the good work. thnx!
»

9:17 da manhã  

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